Meses se passaram
Intertexto com a letra TRISTE PARTIDA de Antônio Gonçalves da Silva conhecido mundialmente como PATATIVA DO ASSARÉ, 14/04/2025
Anos após anos
Muitos foram os pranos
Meu Deus, nada vingou
(Meu Deus, meu Deus)
Assim fala o retirante
Que veio do nordeste
Trabalhador feito a peste
De noite e dias de sol
(Ai, ai, ai, ai)
Mês após mês
Ele pede clemência
Perdeu a paciência
Não tem um siná
(Meu Deus, meu Deus)
Mas de novo vem a fé
Novamente se agarra
Vontade não esbarra
Nos sonhos de natal
(Ai, ai, ai, ai)
Rompem-se os anos
Os sonhos não veio
E dos óios vermeio
Caiem as lágrimas
(Meu Deus, meu Deus)
Das estradas que mata
Buzinas da evolução
Não percebe poluição
O pobre de bem
(Ai, ai, ai, ai)
Chuva descamba a terra
Morro não tem terreiro
E de janeiro janeiro
É a mesma exploração
(Meu Deus, meu Deus)
Logo vem na mente
Isso não só comigo
Parece inté castigo
A moradia é do patrão
(Ai, ai, ai, ai)
Apelo mai um ano
Ou dois seguido
Nada conseguido
Tem que vortá pro sertão
(Meu Deus, meu Deus)
Mas nada perturba
Tudo dar-se um jeito
Com orguio no peito
Todo resto é fé
(Ai, ai, ai, ai)
Vem no pensá
A rota da trilha
Pegando a famía
Refaço o caminho
(Meu Deus, meu Deus)
Nada me resta
Nada pra vender
Tralhas a desfazer
Saindo de São Paulo
(Ai, ai, ai, ai)
Nós vai vortá pro sertão
As coisas tá é feia
Morando em casa alheia
Inda temo qui pagar
(Meu Deus, meu Deus)
Num foi esse o desatino
Com oiá tão mesquinho
Queré do nosso cantinho
De vez nos tirá
(Ai, ai, ai, ai)
Num tem burro
Jumento ou cavalo
Nem mermo um galo
Pra apurar um vintém
(Meu Deus, meu Deus)
E logo aparece
Um infeliz sofredor
Mostrando sua dor
Pidindo o qui nós tem
(Ai, ai, ai, ai)
Em um caminhão
Nós joga as traía
Logo chega o dia
Da estrada pegar
(Meu Deus, meu Deus)
A poluição terrive
Num se respira lá fora
Mai tudo se ignora
Pra os patrão agradar
(Ai, ai, ai, ai)
Já corre o pau-de-arara
Nós já rompe a serra
E pra nossa terra
Nós pretendo vortá
(Meu Deus, meu Deus)
Agora o quase sulista
De vorta sem pena
E de longe acena
Fica com teu lugar
(Ai, ai, ai, ai)
Dias após dias
Na rota desembestado
Nós se oiando descabriado
Pau-de-arara veloz a correr
(Meu Deus, meu Deus)
Tão triste e não coitado
Falando tão saudoso
Nem um fio choroso
Exclamando o maldizer
(Ai, ai, ai, ai)
Era pena e saudade
Do povo tão amoroso
De um chão poderoso
Qui é a terra do sertão
(Meu Deus, meu Deus)
Arquém logo pergunta
Como deve tá a caatinga
No pé ainda dá duas espiga
Quando móia o chão
(Ai, ai, ai, ai)
A linda já não era pequena
Mai, inda tinha medo
Abraçava os brinquedo
Na esperança que vem
(Meu Deus, meu Deus)
Será que o pé de roseira
Coitada, num morreu
Deve qui sobreviveu
De lá nunca arredou
(Ai, ai, ai, ai)
Assim vai ficando
São Paulo sumindo
A estrada surgindo
Na frente o céu azul
(Meu Deus, meu Deus)
Ainda pesaroso
Em tudo pensando
O caminhão rodando
Pra traz fica o sul
(Ai, ai, ai, ai)
Chegamo no sertão
Sem cobre quebrado
Mai abençoado
Sem fome e patrão
(Meu Deus, meu Deus)
Num tinha cara estranha
Era só sorriso de gente
Cada um mai contente
De vorta ao torrão
(Ai, ai, ai, ai)
Trabaio já tinha prano
E ano e mai ano
Na roça num era engano
A fartura ia vortá
(Meu Deus, meu Deus)
Num ia ficá deveno
Patrão e a bodega
Que em nós se apega
Pra nos fazer chorar
(Ai, ai, ai, ai)
Se arguma notícia
Das bandas do sul chegar
Nem vou é nem oiá
Nem ter gosto de ouvir
(Meu Deus, meu Deus)
Bato no meu peito
Alegria tenho de móio
Àquelas águas no zóio
Nunca mai vai cair.
(Ai, ai, ai, ai)
Do mundo vó vivé afastado
Liberdade é meu gozo
De lá num tenho desprezo
Mai pena do patrão
(Meu Deus, meu Deus)
O tempo passando
Sem pressa e agunia
Nós é só alegria
No sul nós voita mai não
(Ai, ai, ai, ai)
Sei que minha terra
É seca, mas é boa
Não gosto da garoa
E a lama do sul
(Meu Deus, meu Deus)
Sei que só nortista
De um povo tão bravo
Num gosta de ser escravo
No norte ou no sul
(Ai, ai, ai, ai)
Transformando histórias nordestinas em patrimônios de leitura
